terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Quem desconfiará dos robôs-noéis na Avenida Paulista?


Quem desconfiará dos robôs-noéis na Avenida Paulista?

Diga Rios

Luzes, câmeras de vigilância, ilusão: característica de um conceito urbanístico contemporâneo que tem sido implementado nas grandes metrópoles, inclusive em São Paulo. Fruto de um contexto histórico de esvaziamento da ideia de público, uma vez que a lógica do mercado tem invadido sistematicamente todas as esferas da existência, a disputa pelo espaço urbano, bem como por sua requalificação em busca de lucratividade, tem se caracterizado como uma alternativa para a expansão de mercados e a manutenção do crescimento econômico capitalista em um segmento vital para a manutenção do sistema: o imobiliário atrelado à prestação de serviços.

O desdobramento deste nicho de mercado é o fundamento da concepção de cidade-espetáculo, ou seja, um espaço urbano cenográfico, com luzes indiretas, pontes imponentes e monumentais, verticalização espelhada, entretenimento pasteurizado, enfim, a construção de novas centralidades que mais se parecem com as cidades cenográficas televisivas ou os estúdios de um novo episódio do filme “O show de Truman”. Como uma espécie de película imagética concebida para as classes sociais privilegiadas e, consequentemente, com capacidade de consumo desta nova cidade posta à venda, as localidades escolhidas pelo capital ávido por um investimento lucrativo são objetos de intervenções urbanísticas costumeiramente chamadas de “revitalização”, afinal de contas, para a lógica do mercado, só tem vida quem consome, ou seja, pobres e indivíduos com outra prática da cidade que não seja a do consumo de todos os espaços não são bem-vindos, ao contrário, são expulsos.

Essa tem sido a tônica da cidade de São Paulo: sutis deportações pela impossibilidade econômica de habitar determinado espaço objeto da especulação imobiliária; a truculência dos despejos daqueles que lutam pelo direito à cidade e que representam uma forma não espetacularizada de vida; as estratégias de violência sistêmica à população em situação de rua, que incomodam os sentidos dos investidores do cenário em construção, tendo sua humanidade desconfirmada com arquiteturas excludentes e um conjunto de políticas higienistas implementadas especificamente nos bairros que são de interesse do setor imobiliário.Obviamente, tais políticas impostas pelo Estado, mais especificamente pelo executivo municipal e estadual de São Paulo, não são gratuitas, caracterizam-se como uma parceria público-privada para a venda da dimensão pública da cidade de São Paulo aos investidores, em nada surpreendente, uma vez que vinte e nove vereadores da legislatura iniciada em 2008, além do prefeito eleito, terem recebido fartas doações para suas campanhas da Associação Imobiliária Brasileira, entidade que congrega importantes empresas do segmento.

O resultado não poderia ser melhor aos investidores e mais violento à população: projeto Nova Luz, onde um bairro inteiro está sendo privatizado através da Lei de Concessão Urbanística, isto é, a gestão de um bairro entregue à lógica da lucratividade; a Vila Itororó, uma vila remanescente do começo do século passado, sempre destinada à moradia, que objeto de um projeto de construção de um centro gastronômico cultural está sendo alvo de desocupação, com estratégias perversas por parte do executivo municipal para confundir e iludir os moradores que tem o legítimo direito de ali permanecer; o destombamento de diversos imóveis espalhados pela cidade para a construção de torres de escritórios em seus terrenos; os grandes eventos internacionais, o ápice da espetacularização, como a Copa do Mundo de Futebol de 2014, capaz de manipular paixões nacionais produzidas midiaticamente e esconder os processos de exclusão que gerarão, como por exemplo, alagamentos planejados de comunidades nas margens do Tietê que visam a retirada forçada dessa população sem oferecer alternativa de moradia; o agenciamento sensorial planejado nos transportes coletivos da cidade, cada vez mais entulhados de discurso publicitário audiovisual, colocando à venda no mercado todos os sentidos dos usuários em seu corrido cotidiano; os serviços de segurança terceirizados que significam um segmento de mercado muito rentável, uma vez que a segregação e a disparidade socioeconômica promovida pelo conceito de cidade espetáculo só aumentam a violência urbana e o medo, elemento extremamente manipulado na construção das justificativas opressivas de nosso tempo.

Este é o projeto em curso na cidade de São Paulo, para além do noticiário com a ponte estaiada ao fundo, uma caricatura do contexto espetacularizado que vivemos. Mas a maior ameaça é acreditarmos no espírito natalino dos robôs-papais-noéis que tomam de assalto às ruas da Avenida Paulista em época de natal, pois deixaríamos o estatuto de cidadãos para o de produtos-coadjuvantes do espetáculo, ou seja, incorporaríamos a ética e a estética do mundo à venda em uma espécie de embrutecimento sensorial capaz de transformar a própria concepção de convivência em sociedade em espaço de serviços para a prática do consumo.

Dezembro de 2011

Publicado na Revista (À)Deriva Metrópole São Paulo, em breve disponível na seção Publicações deste sítio.